Chico

Vermelho. As paredes, o chão e o teto. Tudo esteticamente combinado numa paleta de cores bordô que muito agradava a Chico. Não foi ele quem decorou a casa, ela já estava assim quando chegou sua hora de bater na porta, sendo obrigado a se esgueirar para aquele ambiente abafado e um pouco sufocante. Felizmente, Chico só passa por ela uma vez por mês. E, ah, ele sempre é notado. Não que ele tenha atributos físicos dignos de atenção, mas é impossível ignorá-lo. Nem mesmo a mais resolvida das mulheres é capaz de simplesmente fingir que ele não está logo ali, bem à espreita. Esse é o poder de Chico: nunca passar despercebido.

Na maioria das vezes, ele se mostra agitado, empurra e chuta tudo o que vê pela frente e, aparentemente, não carrega um motivo para suas birras. Digamos que maturidade não é muito seu forte, como podemos perceber. Chico segura em suas mãos uma barra de ferro com a ponta bem afiada e quando as paredes parecem a ponto de engoli-lo, ele as cutuca com sua única arma. Elas se retraem, sangram em resposta, mas Chico não é um sádico, não ri ao perceber que causou mal a sua própria casa, seria ingratidão. Mas poxa vida, ele também carecia de espaço. Se as paredes parassem de insistir em ameaça-lo, talvez ele fosse mais sossegado.   
            
Chico é mal interpretado pelo simples fato de existir. Nem mesmo é permitido falar sobre ele. Chico é nojento, é feio. O destino tratou de ser muito irônico: seu poder é nunca passar despercebido, mas é preciso fingir que ele não existe. Pobre, Chico. Sempre a perturbar, nunca a agregar. Tão mal interpretado...
            
Sua vida é curta. Ás vezes só dura três dias, com sorte consegue viver por uma semana. Quanto mais próximo da morte, mais fraco. Chico, entretanto, luta para ficar. Quando percebe que seu tempo está se esgotando, que até mesmo ele está submetido a morte – mesmo que temporária – ele luta para sobreviver. Faz sua birra mais uma vez, cutuca as paredes acolchoadas e se afoga no sangue que delas jorra. Tosse vermelho, respira fundo e aceita que chegou sua hora de partir.
            
Chico morre. Perde o ar e solta um último suspiro marrom. Acabou, foi embora. Sua partida é tão notada quanto sua chegada, mas é claro, não se pode falar sobre isso. Um segredo não secreto. É nojento, lembra? Pobre, Chico. Tchau. Até o próximo mês.

Chico
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Chico

Crônica sobre o tão sentido, mas pouco falado Chico.

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