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Produções Jornalismo Literário | PUC-Campinas

Não existem diferenças
Por: Ana Luísa de Oliveira e Murilo Pellucci Dias

Quinze de junho de 2015. Meia noite e meia. Carolina acorda com perda de líquido. Corre para a Maternidade Santa Joana, na capital paulista, e no caminho, começam as contrações. Elas vão aumentando cada vez mais, até que, ao chegar no hospital, a frequência já está de dois em dois minutos. A bolsa termina de estourar e a futura mamãe já vai para a sala de parto. “Agora, vou te ensinar a fazer força”, disse o médico. “Mas você não vai me dar anestesia?”, perguntou Carolina, desesperada. “Não dá mais tempo, já estou vendo o cabelinho dele aqui”.

Uma correria. Tudo acontecendo rápido. Muita dor. Mas, no fim, a felicidade: duas horas e um  minuto da manhã, nasce Enzo, com 43 centímetros e 2.525 gramas. A única diferença para os outros bebês? Um cromossomo a mais. “Não sei nem explicar o que senti quando peguei ele no colo. Naquele momento, me senti forte, pois ele precisava de mim. Só conseguia falar que o amava muito e agradecer”, relata Carolina.

O começo de tudo
Essa história de amor teve início alguns meses antes deste primeiro encontro. Terminando o terceiro ano do Ensino Médio e já com planos para começar a faculdade, Carolina Vechio Berger, então com 17 anos, recebe a notícia: uma gravidez precoce e nada planejada. O primeiro grande susto. “Foi bem difícil pra mim. Como uma menina tão nova iria cuidar de um filho?”, lamentava. Mas o tempo passou, o desespero diminuiu e a decisão foi tomada: ela pararia durante um ano para cuidar do filho, e depois começaria a faculdade.

Então, aconteceu o segundo grande susto. Quando a estudante fez o exame morfológico, necessário para o primeiro trimestre de gestação, veio a suspeita de que o bebê poderia ter algum problema, uma vez que sua translucência nucal estava alterada.  De acordo com o laboratório Igenomix, os testes não –invasivos nas primeiras semanas permitem a detecção de 79 a 90% dos casos de alguma síndrome. Assim, o médico recomendou que Carolina fizesse a amniocentese, exame que retira com uma agulha o líquido amniótico da placenta para fazer o cariótipo.

Depois de um mês angustiante de espera, o resultado: Síndrome de Down. Susto e alívio se misturaram no coração de Carolina. Seu bebê tinha uma complicação, mas não era tão grave quanto ela temia. “Mas, se antes dessa descoberta eu já me achava incapaz de cuidar de um filho, com a síndrome esse sentimento só piorou. Chorei muito e sofri, perguntava o porquê de isso ter acontecido comigo” conta.

A força, contudo, foi maior do que a tristeza. Depois de apenas uma semana, Carolina percebeu o que mais importava: que seu bebê ia precisar dela. E, com ajuda, tudo ficou mais fácil. Além das orientações do médico que deu a notícia, a futura mamãe começou a pesquisar na internet informações sobre a Síndrome de Down. Mas o Google não dava as respostas que ela precisava: como ia ser a vida do seu filho? Ele iria brincar? Aprender? Falar? Estudar? “Foi por meio de algumas páginas do Facebook que eu descobri mães com bebês que tinham Down, e elas me ajudaram a perceber que o Enzo seria uma criança normal. O desespero foi passando e, quando ele nasceu, eu já estava bem mais preparada”.

Os obstáculos
Um final de semana antes do planejado para o nascimento, Carolina passou por um momento difícil por conta do pai de seu filho. “No domingo, eu estava muito mal e fui dormir nervosa e chorando”. Então, na madrugada de segunda,  Enzo decidiu vir ao mundo para dar amor a sua mamãe, que estava precisando.

Mas as dificuldades vieram primeiro. Como nasceu com 8 meses, e normalmente as pessoas com Down são cardiopatas – segundo o livro “Guia do bebê com Síndrome de Down”, cerca de metade das crianças nascidas com esta condição apresentam algum defeito no coração ao nascer - o bebê foi dos braços de Carolina direto pra UTI Neo Natal, onde ficou quinze dias. E, com apenas dois meses, começaram a fisioterapia e a fonoaudióloga. “No começo, foi difícil ver meu pequeno fazendo tanta coisa, mas era para o bem dele”, relembra Carolina. Enzo também possui alto grau de miopia, estrabismo, hipotireoidismo e, daqui alguns anos, vai ter que operar o coraçãozinho. 

As vitórias
No meio de tantos desafios, Carolina contou com dois importantes apoios: seus pais. “Eles sempre nos ajudaram, correram atrás dos melhores médicos e estão do nosso lado para absolutamente tudo”. E foi assim, com muita dedicação da família, que Enzo foi se desenvolvendo: com quase dois anos, já sabe  bater palma, sentar sozinho, rastejar, imitar alguns animais e dizer quantos anos tem. “Eu percebo que ele é inteligente, pega as coisas muito fácil, mas na parte motora é muito preguiçoso. Então, todas as conquistas que são ligadas a isso é mais emoção ainda para nós”, relata a mamãe. “Ele ainda não anda, mas aos pouquinhos chegamos lá”.

O segredo? Estímulo e amor. “Além de ter duas fisioterapeutas e uma fonoaudióloga, eu e meus pais fazemos exercícios com ele. Mas não adianta nada só fazer os tratamentos e não dar muito carinho, né”, conta Carolina. “Confiar neles e incentivar são as coisas mais importantes”.

Além do cuidado dentro de casa, no convívio e no carinho da relação pais-filho, é comum que a criança visite um psicólogo, que auxilia no desenvolvimento intelectual do paciente, complementando os trabalhos de outros profissionais. O psicólogo campineiro Eduardo Tedeschi, 30, trabalha diariamente com pacientes que possuem Síndrome de Down, mas destaca que não só o jovem deve ser incluído nas terapias, mas também os familiares. “A gente busca fortalecer o ambiente que essas pessoas estão e criar apoios para que tenham mais autonomia. E uma das bases iniciais, já que os ambientes são sempre muito protegidos, é a familiar”, explica.

Fazendo a diferença
Incentivada por um histórico de “animalização do diferente” e acostumada com reproduções errôneas na mídia, a sociedade atual tem dificuldades em entender as limitações de quem tem Síndrome de Down. Raciocínio, comunicação e habilidades motoras podem, sim, ser empecilhos, mas não fazem do deficiente alguém incapaz.
Sobre este preconceito, Tedeschi garante, após anos de experiência, que os Downs podem ter uma vida normal. “A sociedade constrói uma visão de incapacidade muito grande para essas pessoas, e quando você entra em contato, percebe que não é nada daquilo que é falado. É claro que existem barreiras, mas é algo bem menos agressivo do que prega a sociedade e até as políticas públicas”, defende.

E foi pensando em mostrar que não existem diferenças que Carolina criou a página Anjinho Enzo. “Durante a minha gravidez, estava desesperada e cheia de perguntas, e por meio do Facebook, achei as respostas que eu precisava. As administradoras me ajudaram muito, e eu também queria poder auxiliar outras mães com as suas dificuldades”, afirma. “E meu segundo objetivo é mostrar, com os meus posts, que as crianças com Síndrome de Down tem, sim, uma vida como as outras”, completa.

Com a página, Carolina recebe, no geral, mensagens muito positivas. “Não tem nada melhor do que ajudar uma mãe que estava desesperada, ver várias me agradecendo e se acalmando por minha causa”, comemora. “Mas, quando criei, pensei que só eu que iria ajudar, mas estava enganada, recebo mensagens também de pessoas muito queridas que vem me incentivar a continuar a ser essa mãe dedicada. Gente que eu nem conheço me dá forças”, relata.

Esforços como o dessa mãe ajudam a criar um ambiente melhor na sociedade para o desenvolvimento das pessoas com Síndrome de Down. Além de ações individuais, existem instituições que realizam este trabalho, como a Fundação Síndrome de Down, localizada no Jardim Santa Genebra, em Campinas, que atende cerca de 200 pessoas com deficiência intelectual, mais as suas famílias, unindo os participantes em atividades de lazer, acompanhamento psicológico, capacitação para o mercado de trabalho e adaptação à vida normal.

Em entrevista com Ana Lígia Agostinho, representante da Fundação, ela deixou bem claro que o ponto forte das atividades é a convivência com o cotidiano, sem a intenção de diferenciar ou segregar. O psicólogo Tedeschi atua na Fundação e sua posição vai de encontro com a instituição. “Eu faço um trabalho que visa fortalecer e informar familiares para que desenvolvam mais recursos para lidar com as circunstancias, saber como agir quando a pessoa está sendo colocada no mundo, na realidade cotidiana, trabalho... Enfim, na própria vivência adulta”, detalha.

A jornada continua
Hoje, Carolina tem 19 anos e estuda Naturologia na Anhembi Morumbi. Enzo vai completar dois aninhos. Na página, são mais de 30 mil curtidas. As batalhas, claro, continuam diariamente; mas, segundo a mamãe, o sorriso de seu pequeno compensa tudo. A mensagem diária? “Não existem diferenças”.
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