Parênteses
Aos meus avós
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Percebe que o tempo está acabando, que a esteira está andando, que não dá mais pra voltar.
Lembra do beijo guardado, do abraço não dado, do convite que recusou, do jantar que não terminou, do café que esfriou, da desculpa que inventou, do perdão que adiou, do parêntese que não fechou.
Do parêntese que se fechou.
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Como num sopro, uma nova porta se abre
É de manhã
Olhos no espelho. A imagem refletida ali mudou.
Abriu um lindo sorriso de dentes gastos,
Tocou a face plana de peles montanhosas,
Juntou os cacos do cansado coração,
Enxergou com novos olhares o que tanto já viu,
Enxergou com novos olhares quem tanto já viu.
Lá fora a antiga muralha de severos donos deu lugar à doce morada de super avós.
Nota agora quanta beleza existe na natureza.
Mas quando foi que essa orquídea abriu?
(...)
Pausa para o café.
Hm, cheiro de bolo quentinho. Cheiro de infância.
Já faz seis décadas... Céus, quem poderia imaginar?
Marido, três filhos, oito netos e
sons de latido
Ah, eles chegaram!
(...)
É de tarde
Quanto amor cabe no peito?
Conversa vai, conversa vem.
Ora aventuras, anseios e ambições
Ora sobre barreiras, perigos, paixões,
Folheando no cansado álbum a envolvente trama tecida à sua frente.
(...)
É noite
As costas doem.
O canto do passarinho já cessou.
Lembra dos sons que voltam, lembra também dos que não voltaram mais.
Caminha até a grande fortaleza da capelinha simples do final do corredor.
Lê “Mesmo no tempo da velhice darão frutos”
Senhor, dá-me então sabedoria!
já dizia o sábio
(...)
Volta então ao quarto e luta contra o sono.
A memória elege a dedo lugares distantes.
Como num ligeiro filme, rebobina sua fita e se vê assim:
Feliz por ter dado, sem exigir moeda de troca.
Feliz por ser amado,
Feliz por ter amado.
E sem saber quando vem o fim, se deita e sorri
Desse grande parêntese que é a vida.
