Tensões Invisíveis: O Impacto da Intolerância Religiosa na Saúde Mental da Comunidade LGBT

  Na contramão do avanço na garantia de direitos, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com a aprovação de 12 votos a favor e apenas 5 contrários. O projeto de lei foi inicialmente apresentado pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE) em agosto de 2023 e gerou revolta entre os membros da comunidade, que veem essa decisão como um desrespeito aos princípios democráticos e inclusivos que deveriam nortear uma sociedade moderna.

  A proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo representa um retrocesso significativo para a comunidade LGBTQIAP+, impactando não apenas questões legais imediatas, mas também a inclusão social e a saúde mental a longo prazo. E como isso poderia afetar a vida da pessoa LGBT em sua trajetória como minoria em um país tão desigual e preconceituoso?

  Em conversa com a psicóloga e psicanalista Paula Pazzini Sales tentamos entender melhor a motivação por trás das tentativas desesperadas de emplacar leis depreciativas e opressivas em ataque à comunidade LGBT:

          “Acho que criam esses projetos de lei de forma intencional, pois mesmo sabendo que não são inconstitucionais e não passarão, a real finalidade é transmitir a mensagem de que a pessoa não está segura, não é bem vinda e não será considerada gente como a gente na visão minaz e deturpada sobre a comunidade LGBT. “

  Em pautas atuais, a saúde mental e sua compreensão tem crescido, levando a mudanças na abordagem de políticas públicas, na conscientização social e nas práticas de cuidados de saúde. Existe um esforço contínuo para desestigmatizar as questões de saúde mental, como campanhas de conscientização, testemunhos de figuras públicas e a disseminação de informações de suma importância. Ao mesmo tempo há um reconhecimento crescente da necessidade de cuidados específicos para grupos vulneráveis, incluindo a comunidade LGBTQIAP+, questões como discriminação, identidade de gênero e orientação sexual são abordadas de maneira mais sensível nos serviços de saúde mental. “A insegurança, por exemplo, é um conceito abstrato. Pessoas que não vivem com medo não sabem exatamente como é viver a vida de uma pessoa que passa por isso em seu dia-a-dia.”, pontua a psicóloga, “Insegurança constante, não pertencimento, exclusão, instabilidade, medo, ansiedade possuem consequências negativas relacionadas à saúde tanto física quanto mental do ser humano.”, conclui Paula.

  Ao emplacar um projeto de Lei de proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Pastor Eurico não só deixa explícito o quão despreparados estão para conduzir um debate maior sobre a questão de diversidade e inclusão em um país tão heterogêneo. Muitos membros da bancada evangélica podem ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo com base em interpretações religiosas das escrituras, acreditando que a instituição do casamento deve ser estritamente entre um homem e uma mulher, seguindo as crenças tradicionais. Em concordância, políticos de direita chegam a enfatizar o respeito à tradição e à família.

          “Criar uma lei como esta não vai mudar uma lógica histórica ou a forma de pensar, apenas irá acentuar o pensamento de que isso não é correto, como uma forma de ratificar o que julgam como certo e errado.” contesta.

  No entanto, é importante notar que dentro da bancada evangélica, há vozes divergentes, e alguns membros podem apoiar a diversidade e inclusão, mesmo que isso não seja a visão majoritária, membros estes que podem se envolver ativamente no combate ao estigma associado aos transtornos mentais. Isso pode envolver esforços para promover a conscientização e aceitação dentro das comunidades religiosas e argumentar que a intervenção do Estado nas escolhas pessoais, como o casamento, é contraditório para a condução de uma sociedade livre.

  Se levarmos em consideração a trajetória progressista de inclusão e diversidade que vemos de forma crescente na sociedade atual, a relação entre o jovem e a religiosidade vêm sendo cada vez mais vulnerável, principalmente se tratando de pessoas da comunidade LGBTQIAP+, resultando em conflito interno dos mesmos, pois desejam manter sua fé, mas são rejeitadas por certos segmentos religiosos. Esse conflito pode, de fato, afastar a comunidade LGBTQIAP+ dos centros religiosos que não aceitam sua orientação sexual ou identidade de gênero. “Essa exclusão é usada intencionalmente para afetar esses corpos e entristecê-los e tirá-los do campo da humanidade, social, do real. Pessoas tristes não lutam, não correm atrás dos seus direitos.” reflete a psicanalista.

  Se instaurada esta nova Lei de Proibição consequências como a negação de direitos básicos, como herança, benefícios previdenciários e adoção de crianças para casais do mesmo sexo entrariam em vigor. Além, claro, do aumento da discriminação e violência, já que a comunidade pode se sentir mais vulnerável e menos protegida legalmente. Perpetuaria-se estigmas e preconceitos, desenvolvendo uma cultura de exclusão e alienação e levando a uma segregação social mais ampla, dificultando a aceitação e integração dessa comunidade na sociedade e impactando a saúde mental da comunidade LGBTQIAP+. “Precisamos continuar pressionando para que haja cada vez mais políticas públicas inclusivas, continuar propagando e defendendo os direitos igualitários. Isso que estão fazendo é desumano, estão os marginalizando”, e completa dizendo “É importante não ceder ao desespero, a insegurança nos torna vulneráveis à domesticação do corpo através do afetos negativos e entristecimento.” finaliza Paula.

  Desta forma, foi possível elaborar uma projeção do que poderia vir a acontecer caso o projeto se estabelecesse. Mais do que nunca, devemos combater a ignorância, o retrocesso e a intolerância, e promover a criação de novas políticas públicas que englobem questões legais e de saúde pública, proporcionando ambientes seguros e acessíveis para todes.
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